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Me pediram pra contar uma história do Nordeste. Mas eu não sei. Não sei nenhuma história do Nordeste. E eu não sei contar histórias, sejam do Nordeste, sejam do Amazonas.
Podia contar de Antônio, cangaceiro, destemido que só o diabo, mais forte que boi bravo.
- Mulé, arruma tuas coisas que a gente vai se mudar.
- Mas vamo pra onde, home?
- Vamo sem rumo. Cansei do cangaço. Vou carregar Julinha com nossas coisas e vamo botar o pé na estrada.- Mas a gente não vai morrer de fome?
- Que fome que nada, mulé! Eu lá sou de morrer de fome! Oia, meus bolsos, oia! Tem comida pra uma semana inteirinha.
- E Julinha?- Julinha é forte, mulé. Eita, bicha danada de boa! Presente do finado Zacarias.
- Tu tá é fugindo, né, home?
- Eu, fugindo?! Deixe de besteira! “Quem não tem coragem, o cão o engole.”
- E Manelzim e os outros tão sabendo?
- Mas vamo pra onde, home?
- Vamo sem rumo. Cansei do cangaço. Vou carregar Julinha com nossas coisas e vamo botar o pé na estrada.- Mas a gente não vai morrer de fome?
- Que fome que nada, mulé! Eu lá sou de morrer de fome! Oia, meus bolsos, oia! Tem comida pra uma semana inteirinha.
- E Julinha?- Julinha é forte, mulé. Eita, bicha danada de boa! Presente do finado Zacarias.
- Tu tá é fugindo, né, home?
- Eu, fugindo?! Deixe de besteira! “Quem não tem coragem, o cão o engole.”
- E Manelzim e os outros tão sabendo?
- Oxente, mas eu tenho de dar explicação pros outros?
Podia contar de Filó, quarentona bonita, natalense orgulhosa.
- Eu sou da capital!
Podia contar da sua história de amor, dos seus casos e descasos, da sua separação, das suas desilusões...
- O quê, Mário? Você vai fazer isso comigo?
- E tem outro jeito? Não tem. Melhor a gente se separar e ficar uma amizade legal entre nós.
- Você tem outra, só pode!
- Filó, não piora as coisas. Não tenho ninguém. A gente é que não se entende. Acabamos sempre discutindo, quase partindo pro tapa. Já não existe amor, eu sinto. E esse ambiente não é nem bom pra Gabriela.
- Mas ela vai sentir tua falta.
- Eu venho vê-la.
- E tem outro jeito? Não tem. Melhor a gente se separar e ficar uma amizade legal entre nós.
- Você tem outra, só pode!
- Filó, não piora as coisas. Não tenho ninguém. A gente é que não se entende. Acabamos sempre discutindo, quase partindo pro tapa. Já não existe amor, eu sinto. E esse ambiente não é nem bom pra Gabriela.
- Mas ela vai sentir tua falta.
- Eu venho vê-la.
- E é assim que acaba?
Tem horas que falta um beijo, tem horas que falta aquele abraço, seja o último, seja o primeiro.
Podia contar de Tião, pescador, velho, oitenta anos.
- Eu fui muito feliz. Eu e minha velha. Tenho saudades da pescaria. Saía de madrugada no meu São Pedro, só voltava à tardinha, rede pesada, xaréus, ubarabas, tibiras, robalos... Trabalhei muito, minha nossa! Era preciso alimentar oito bocas, eu, minha esposa e meus filhos. Seis! Quem manda ter cria grande?! Mas não me arrependo de nada. Fazia tudo de novo. E voltava a montar no dorso de Marcelinho, meu golfinho, e correr a praia. Sim, eu tinha um golfinho. Não acredita? Eita, sensação boa! Sempre a meio da tarde, saía do barco, nadava um pouquinho, mergulhava um robalo, e Marcelinho aparecia. Era danado pra brincadeira, nadava ao meu redor, pulava por cima de mim...
Eu sou Tião dos golfinhos, todo mundo me conhece aqui em Tibau. Mas um dia ele não apareceu. No outro também não. Passou uma semana, passou duas... Minha mulher adoeceu... Há tempos em que o mundo adoece, o cão toma posse! Perdi os dois, meu velho... Deixei de pescar...
Podia contar de Lucas, de como se animou quando descobriu sua mãe biológica. Mas Lucas não é nem do Nordeste. E eu não sei contar histórias, sejam do Nordeste, sejam do Amazonas.
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O Cego do Maio
Póvoa de Varzim, terra milenar, berço de pescadores que ao longo dos tempos desenvolveu o gosto pela faina da pesca, convivendo com aquele mar imenso, mar chão se calmo e sereno, mar cão sempre que bravio, revolto e trágico.
São muitas as façanhas relatadas sobre os homens do mar, as suas venturas e desventuras, as tragédias vividas ali frente àquela barra poveira, onde os gritos das mulheres e das crianças ecoavam pelos ares perante o olhar insólito e impotente dos camaradas que olhavam aquele mar que amavam e assistiam ao desaparecer de mais um e outro amigo que com eles crescera naquele areal liso, com odor a peixe onde todas as manhas se banhavam perante o olhar circunspecto das mães e das avós, atarefadas na recolha do pescado das pequenas embarcações que arribavam à praia.
Quantas vezes os jovenzitos assistiam à corrida desenfreada dos seus progenitores até à à Igreja da Lapa, implorando à Senhora a ajuda para que os seus bem-queridos pudessem passar aquela barra bravia e chegar à praia, onde pudessem ser socorridos e, finalmente salvos. E, quando a tragédia ocorria, se lançavam como loucos, apedrejando a Senhora que não salvara aqueles que tanto amavam, sempre que as coisas não corriam de feição.
José Maria era um menino que com frequência assistia a todo esse ritual que ia marcando a sua vida e, conforme ia crescendo, ia criando em si um sentimento de que havia algo a fazer para que aquele mar que amava, às vezes tão cruel, não continuasse a roubar de si, da sua gesta, as vidas de tantos amigos e companheiros.
Nascera na Rua dos Ferreiros a 8 de Outubro de 1817 e crescera ali, diariamente, em contacto com a enseada poveira. Seu pai, António Rodrigues Maio, era um bravo homem do mar.
Era um homem entroncado e de ombros largos, dócil no falar, de trato rude mas humilde, numa simbiose típica dos camaradas de trato rude e terno.
Pescador sardinheiro, filho de pescadores, aninhado ali, junto ao mar numa casa humilde mas cheia de carinho. Com o passar do tempo, tornou-se um homem respeitado e carinhosamente apelidado por amigos e vizinhos de Tio Maio pessoa que conheciam como a palma das suas próprias mãos.
Naquele tempo, a faina da pesca era rude e perigosa. Não havia porto de pesca e os pescadores tinham que sulcar o mar à sua sorte, sem saber se regressariam ao seio da família quando chegasse a hora de retorno, com o barco carregado de pescado oferecido por aquele mar generoso e que às vezes se tornava tão cruel.
Habituado à lida e à luta diária pela sua sobrevivência, na sua catraia (pequena embarcação de pesca) tornou-se um ritual o lançar-se às cegas, com os seus companheiros, àquele mar bravio para dele resgatar vidas que o seu mar regateava como suas. Conta-se que terá salvado mais de cem vidas do naufrágio. Salvamento abnegado, sem esperar agradecimento ou honraria, pelo prazer humano de salvar aqueles que consigo viviam no dia-a-dia e que faziam parte de si.
Diz-se entre a gesta poveira que o apelido de Cego ter-lhe-ia sido dado pelo modo desenfreado e cego como se lançava pelo mar dentro na tentativa de salvar aqueles que quase pereciam naquela luta desigual pelo regresso a terra. O Maio, vinha-lhe do sangue dos seus ancestrais, os Maios, família que se ramificou pelas suas gentes e que foi angariando respeito e simpatia por toda a comunidade. Há também quem diga que tinha as pálpebras de um dos olhos um pouco descidas e que por isso pouco a pouco lhe fora dada a alcunha de Cego do Maio. De um modo ou de outro, era o amor cego aos seus semelhantes que conquistara o seu coração e o fazia lançar-se ao mar desse modo cego.
Em 1981 foram-lhe reconhecidos o seu mérito e coragem e ei-lo nomeado ‘Patrão’ do primeiro salva-vidas (embarcação preparada para o socorro a naufrágios sempre que a tragédia batia à porta). Foi para ele a maior honraria que lhe poderiam ter dado, o privilégio de ser o primeiro a lançar-se ao mar sempre para tal fosse solicitado, sempre que uma tragédia estivesse eminente.
As suas histórias, os relatos dos seus feitos, foram contadas ao longo de gerações na selectas escolares e na imprensa regional e nacional. A estas honrarias, o José Maria respondia com um encolher de ombros simples, com uma humildade cativante, com um sorriso que enternecia todos aqueles que viviam ao seu redor.
Com sessenta e sete anos de idade, desaparecia do mundo dos vivos serenamente, na sua residência na Rua da Areia (hoje 31 de Janeiro), ali junto à Poça da Barca, nome carinhoso que os poveiros lhe davam, por analogia e proximidade com o lugar do mesmo nome que se seguia, entrando já por terras de Vila do Conde. Afinal, ali à sua frente, via diariamente a sua poça por onde navegava a sua barca.
Apelidado de Lobo-do-mar, foi galardoado com a mais alta condecoração do Estado Português, o Colar de Cavaleiro da Ordem da Torre e Espada e a Medalha de Ouro da Real Sociedade Humanitária do Porto, colocadas pessoalmente pelo Rei D. Luís I, em reconhecimento pelas vidas que salvou do mar.
Contam as gentes da Póvoa que quando o Rei o condecorou, o Cego do Maio lhe agradeceu, puxando por uma pequena saqueta com conchinhas e beijinhos do seu amar, dizendo: - Tome lá, ó Ti’ Rei, são para os seus cachopos.
Frente ao mar da Póvoa, ali, no Passeio alegre, ergue-se majestosa a estátua com que o povo eterniza o homem – o Cego do Maio, com a sua mão resguardando os olhos do sol, olhando aquele mar, como de atalaia, pronto para no momento exacto se lançar desenfreado na sua direcção, para lhe roubar e trazer de volta mais uma vida que ele, o mar, reclama como sua e insiste acolher para o seu seio.
Cego do Maio
"Nasceu num berço humilde e carinhoso
Esse poveiro cheio de valor.
O mar foi para si seu grande gozo,
Alfobre de ternura e grande dor.
E em cada dia um gesto corajoso
Se sucedia. E ia sem temor
Roubar ao mar imenso e revoltoso
A vida de um e outro pescador.
Tão cheio dessa vida abnegada
Foi receber um dia a Torre e Espada
Das mãos do Rei. E com simplicidade
Pegou numa saqueta com beijinhos
E disse, rodeado de carinhos:
- São para os seus cachopos, Majestade!"
José Sepúlveda
Participação de José Sepúlveda
Blog O Canto do Albatroz
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ADEUS...
Um dia, encontrei uma linda morena no Tororó. Mas, diferentemente da cantiga de roda, sempre voltei para revê-la. Durante muito tempo, sorrimos, gritamos e choramos juntos (não tem preço a alegria que ela me proporcionou).
Infelizmente, os últimos tempos foram apenas de sofrimentos. Às vezes penso que sua morte foi até um alívio. Antes mesmo do acidente, ela já andava entristecida, sem o brilho de outrora. Nessa época, minhas visitas se tornaram cada vez menos frequentes. Quando me disseram que ela estava internada e que seu estado era grave, confesso que não tive coragem de reencontrá-la – não suportaria vê-la naquela situação.
Sei que domingo será o seu funeral, e o domingo era o dia em que mais nos divertíamos, no entanto não irei. Prefiro guardar para o fim a lembrança mais bonita
No dia 29 de agosto de 2010, será implodido o estádio da Fonte Nova, localizado próximo ao Dique do Tororó, em Salvador. Mesmo sabendo que será construído no local uma moderna arena que sediará jogos da Copa do Mundo de 2014, imaginar seus escombros é simbólico demais para eu manter minha indiferença.
Participação de Herculano Neto
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O Dique do Tororó fica no centro de Salvador, perto do estádio da Fonte Nova e da Estação da Lapa. No lugar havia um pequeno Olho D’água e dele foi criado o Dique que é um grande espelho d’ água, cercado de árvores e enormes esculturas de orixás.
Todos os dias muitas pessoas utilizam as margens do dique para fazer exercícios, O Tororó, bairro que dá nome ao Dique foi o lugar em que nasceu o cantor Gilberto Gil. O Dique é tombado como patrimônio nacional, sendo proibido mudar sua geografia ou estrutura.
É interessante dizer que o Dique na época do Brasil colônia servia para defender a cidade do Salvador de possíveis invasões estrangeiras. O Dique era usado também para abastecer a cidade, hoje Salvador, cidades da Região metropolitana e algumas do Recôncavo bebem água da barragem de Pedra do Cavalo que fica na cidade de São Felix.
De qualquer maneira o Dique é um lugar lindo, mas estranhamente não é o ponto turístico mais visitado de Salvador, talvez por ficar no centro cercado de prédios, mas é muito bonito. Os poetas costumam dizer que o Dique é uma obra dos homens que os deuses e orixás tomam conta.
“Fui no Tororó beber água não achei/
encontrei bela morena/
e por ela me apaixonei”
Participação de Ediney Santana
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kiromenezes@uol.com.br
Por Kiro Menezes
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